IC19, saída para a Radial de Benfica, perto das duas da manhã numa noite de sábado, para ser mais precisa, ontem.
Nisto, passam dois carros em alta velocidade, mas mesmo mesmo depressa, fazendo da estrada uma pista de corridas. Sempre que vejo este tipo de comportamento fico irritada e lembro-me de comentar com o meu Mr. Big qualquer coisa como “que imbecis, detesto quando passam assim a abrir!”. Entretanto, nem cinco segundos depois, digo-lhe “olha, não tens de virar para a Radial de Benfica?”. Ele respondeu “tenho”. E começou a abrandar. Foi então que olhei e vi um dos carros, o que ia atrás, junto às bermas de cimento, com a frente completamente destruída, fumo e poeira pelo ar. O meu Mr. Big estava a abrandar, não para virar, mas para estacionar na berma, em segurança. Saímos do carro. Eles também, condutor e pendura. Pego no telemóvel, ligo para o 112, demoram horrores a atender. Eles parecem estar bem, só um pouco atordoados, com sangue a escorrer da boca, mas coisa pouca. O Mr. Big está ao pé deles, eu mais afastada, agarrada ao telemóvel. Finalmente, o 112 atende. Explico o que se passou, aparentemente estão bem, até que o meu Mr. Big me diz “está alguém preso debaixo do carro, uma rapariga”…
E aí o meu coração começou a bater mais depressa. Dou esta nova informação ao 112, dizem-me que vão mandar o INEM para o local. A rapariga, que tinha perdido os sentidos, acorda. Vê-se presa debaixo de um carro entra em pânico, começa a gritar. Não se percebe o que ela diz, deve ter a boca cheia de sangue. Começam a juntar-se mais carros e pessoas. Alguns imbecis sugerem levantar o carro com um macaco e tirá-la lá de baixo. O meu Mr. Big impede-os, afinal, nestas situações é suposto não mexermos no corpo até chegar a ajuda médica porque não sabemos as lesões que a vítima poderá ter.
Pelo que os ocupantes do carro explicaram, ela vinha no banco de trás, tinha tirado o cinto para apanhar o telemóvel, que tinha caído, e com o despiste, as portas de trás abriram, projectando-a para fora do automóvel.
O pendura, completamente parvo, no meio daquela situação de stress, lembra-se de dar um pontapé no carro, como se isso fosse desviá-lo o suficiente para tirar a rapariga lá de baixo. O meu Mr. Big agarrou-o e afastou-o dali com um “Estás maluco? Achas que é assim que a tiras dali? Só estás a fazer pior!”.
Agora já toda a gente ligava para o 112, sem necessidade, porque eu já o tinha feito. Chega um carro da polícia. Faz uma tal derrapagem que pensei que ainda ia haver outro acidente. Saem do carro e perguntam “já chamaram o 112?”. Já! Claro! Foi a primeira coisa que fizemos! Como é que aquelas alminhas aparecem ali e nem sabem o que se está a passar?! Quando viram a rapariga debaixo do carro saíram-se com esta “foi atropelamento?”. Atropelamento na entrada para a Radial de Benfica às duas da manhã?! Enfim, nem vou comentar...
Começo a olhar para a estrada, estilhaços do carro por todo o lado: peças de plástico, bocados do motor, vidros, carros a abrandarem para se conseguirem desviar. Pensei “como é que conseguimos? Como é que estamos aqui, inteiros, sem uma beliscadura no carro quando eles passaram por nós nem cinco segundos antes do despiste?”. Talvez porque, simplesmente, não tinha de ser… A verdade é que conseguimos, e eu nem me apercebi dos bocados do carro a voar, mas o meu Mr. Big apercebeu-se de tudo isso muito antes de mim, provavelmente, porque ia a conduzir e sabe que ao volante há que estar sempre em alerta.
O que me irrita quando vejo estes 'putos' a acelerar e a picarem-se é a grande falta de responsabilidade e de maturidade que têm. Conduzir implica todos os que andam na estrada, desde os que sabem conduzir, aos que se consideram pilotos de Fórmula 1. Preocupa-me que um destes cretinos possa destruir a minha vida ou a dos que amo, como aquele condutor fez com a namorada! Sim, a rapariga encarcerada é a namorada dele…
Finalmente, a ambulância chega, e depois o carro dos bombeiros, para o desencarceramento. A rapariga continua a gritar. O socorro demorou cerca de 10 minutos a chegar. Será muito ou será pouco? Para mim pareceram horas, largas horas de angústia, sem poder fazer mais nada a não ser esperar e tentar pôr algum juízo nas cabeças das alminhas que queria levantar o carro com macacos ou, simplesmente, com a força humana.
Depois da situação estar entregue a quem de direito, decidimos ir embora. Afinal, não tenho qualquer curiosidade mórbida em ficar a assistir à cena. Informámos a Polícia, já que tinha sido eu a ligar para o 112 e não sabia se queriam que prestássemos algum tipo de declarações, e saímos dali. Havia mais de 15 carros parados na berma, tudo ali a ver o espectáculo…
Saí dali triste, apreensiva, preocupada, sem saber que futuro terá aquela rapariga. Não lhe antevejo nada de bom, mas espero que seja melhor do que o que eu imagino…
Mas o pior foi perceber que somos um país de gente que não sabe reagir em situações de stress, que entra em pânico, bloqueia e não raciocina... Levantar o carro com um macaco?! E depois? Arrastavam-na de lá e ela levantava-se e sacudia o pó da roupa, na maior, como acontece nos filmes?!
Infelizmente, a realidade consegue ser bem mais dramática do que a ficção.